Vladimir Ilyich Lenin, nascido em 10 de Abril de 1870, seria responsável pelo governo da República Federativa Socialista Soviética Russa de 1917 até sua morte, em 1924. Politicamente marxista, suas contribuições teóricas ao pensamento marxista são conhecidas como leninismo, que unido à teoria econômica marxista passou à história como marxismo-leninismo. Após sua morte, o marxismo-leninismo se desdobrou em outras escolas de pensamento como o stalinismo, o trotskismo e o maoismo.
Por ser figura de destaque
na Revolução Russa e por suas contribuições ao pensamento marxista, é muito
interessante observar qual sua opinião a respeito da religião. Mesmo porque é
sob seu governo que se inicia a perseguição religiosa na Rússia comunista.
Sobre isto, há uma carta muito interessante intitulada “A atitude do partido
dos trabalhadores com respeito à Religião”, publicada em 13 de maio de 19095.
Lenin via grande importância em se definir a posição dos “sociais-democratas”
com relação à religião:
A
Social-Democracia baseia toda sua cosmovisão no socialismo científico, ou seja,
marxismo. A base filosófica do marxismo, como Marx e Engels declararam, é o
materialismo dialético, que assumiu completamente as tradições históricas do
materialismo do século dezoito na França e de Feuerbach (primeira metade do
século dezenove) na Alemanha – um materialismo que é absolutamente ateísta e
positivamente hostil a todas as religiões. Recordemos que todo o Anti-Dühring
de Engels, que Marx leu em manuscrito, é uma denúncia do materialista e ateu
Dühring por não ser um materialista consistente e deixar aberturas para a
religião e para a filosofia religiosa. Recordemos que em seu ensaio sobre
Ludwig Feuerbach, Engels reprova Feuerbach por combater a religião não com o objetivo
de destruí-la, mas para renová-la, para inventar uma nova, “exaltada” religião,
e por aí vai. Religião é o ópio do povo – este dito de Marx é o fundamento de
toda a visão marxista da religião. O marxismo sempre considerou todas as
religiões e igrejas modernas e cada organização religiosa como instrumentos de
reação burguesa que servem para defender a exploração e confundir a classe
trabalhadora.
Aqui Lenin portanto aponta duas causas para a oposição marxista
à religião. A primeira é exatamente o materialismo ateísta que é base do
marxismo (chamado aqui de socialismo científico). O segundo ponto, mencionado
mais brevemente, é a manipulação da classe trabalhadora promovida por meio da
religião, um tema aqui mais ligado ao comunismo. Assim, quando o ateu aponta
apenas para o comunismo como causa da oposição soviética à religião, ele não
está fazendo uma análise completa da situação.
É muito interessante observar neste trecho alguns pontos que
também surgem no discurso ateu de nossos dias. Observamos a ênfase no
materialismo como o oposto à religião, enquanto o ateísmo moderno adota o
materialismo através de seu apelo à ciência como único meio de explicar o
mundo. Outro ponto em comum é a forma de combate à religião. Segundo Lenin:
Acusando
o ultrarrevolucionário Dühring de querer repetir a tolice de Bismarck de outra
forma, Engels insistiu que o partido dos trabalhadores tenha a habilidade de
trabalhar pacientemente na tarefa de organizar e educar o proletariado, o que
levaria à morte da religião, e não se jogar à aposta de uma guerra política à
religião.
Lenin descreve aqui como Engels pretendia acabar com a
influência da religião: não com guerras mas com educação da população.
Certamente Lenin concordava com Engels neste ponto, já que o apresenta
favoravelmente. E aqui temos mais um ponto em comum com o ateísmo moderno.
Muitos ateus acreditam que a educação e a ciência fará o mundo evoluir de tal
forma que no futuro, não haverá mais a necessidade da religião.
É curioso, no entanto, como o comunismo de Lenin que dá um tom
mais moderado a seu ateísmo. Respondendo a questão dos “anarquistas”, que
colocam a guerra contra a religião acima de tudo, Lenin escreve o seguinte
trecho:
Esta
é uma das atuais objeções ao marxismo que testificam um completo mal-entendido
sobre a dialética marxista. A contradição que perplexa estes objetores é uma
contradição na vida real, ou seja, uma contradição dialética, não uma verbal ou
inventada. Desenhar uma linha entre a propaganda teórica do ateísmo, ou seja, a
destruição das crenças religiosas entre certos grupos do proletariado, e o
sucesso, o progresso e as condições da luta de classe destas seções, é
raciocinar de forma não dialética; transformar um limite cambiável e relativo
em um limite absoluto é forçosamente desconectar o que está indissoluvelmente
conectado na vida real. Vamos pegar um exemplo. O proletariado em uma região
particular e em uma indústria em particular está dividido, vamos assumir, em
uma avançada seção de social-democratas suficientemente conscientes sobre as
classes, que são é claro ateus, e retrógrados trabalhadores que ainda estão
conectados com o campo e com os camponeses, e que acreditam em Deus, vão à
igreja ou ainda estão sob direta influência do padre local – que, vamos supor,
está organizando uma união de trabalhadores cristãos. Vamos assumir ainda mais
que a luta econômica nesta localidade resultou em uma greve. É o dever de um
marxista colocar o sucesso da greve acima de qualquer coisa, agir vigorosamente
contra a divisão dos trabalhadores nesta luta entre ateus e cristãos, opor
vigorosamente a tal divisão. A propaganda ateísta em tais circunstâncias pode
ser desnecessária e prejudicial – não pelo temor grosseiro de espantar as
seções retrógradas, de perder uma cadeira nas eleições e por aí vai, mas por
consideração pelo real progresso da luta de classe, que na condição da moderna
sociedade capitalista converterá trabalhadores cristãos para a Social-Democracia
e para o ateísmo cem vezes melhor do que uma simples propaganda ateísta.
Para Lenin, a luta de classes deveria ficar acima de qualquer
militância pró-ateísmo. Isto incluía tentar unir operários religiosos e ateus
em torno da causa operária. O comunismo, antes de ser a causa principal de
oposição à religião, era na verdade o que dava motivos para a tolerância à
religião. É importante observar no trecho acima como a relação com o comunismo
faz o ateísmo soviético ser diferente do ateísmo atual e em que aspecto se dá
esta diferença. Para Lenin, a implantação do comunismo acabaria transformando a
sociedade em uma sociedade ateia. Lenin acreditava que o capitalismo criava um
ambiente de sofrimento e temor que favorecia a religião, assim, quando este
sofrimento e temor fossem eliminados, a religião deixaria de existir. Assim,
além da crença na educação como forma de se eliminar a religião, os soviéticos
também acreditavam que a mudança da sociedade faria o mesmo. Eles pretendiam
atacar a religião em um campo geralmente renegado por ateus atuais.
Muitos ateus apontam, como já mencionado, que os soviéticos
tratavam o comunismo como uma religião. É interessante que esta pergunta também
pode ser respondida pela carta de Lenin:
Outro
exemplo. Os membros do Partido Social-Democrático deveriam ser censurados todos
da mesma forma por declararem que “o socialismo é minha religião”, e por
defender pontos de vista que mantém esta declaração? Não! O desvio do Marxismo
(e consequentemente do socialismo) é aqui indisputável, mas o significado do
desvio é relativo em importância, se podemos dizer assim, pode variar com as
circunstâncias. Uma coisa é quando um agitador ou uma pessoa se dirige aos
trabalhadores e fala desta forma para se fazer melhor entendido, como uma introdução
a seu assunto, para apresentar seus pontos de vista mais vividamente em termos
que as massas retrógradas estão mais acostumadas. Outra coisa é quando um
escritor começa a pregar “Construção de Deus” ou a “Construção de Deus”
socialista (no espírito, por exemplo, de nosso Lunacharsky e outros). Enquanto
que no primeiro caso a censura seria mera busca de defeitos, ou até mesmo
restrição inapropriada da liberdade do agitador, de sua liberdade em escolher
métodos “pedagógicos”, no segundo caso a censura do partido é necessária e
essencial. Para alguns a declaração “socialismo é uma religião” é uma forma de
transição da religião para o socialismo, para outros, é uma forma de transição
do socialismo para a religião.
Em primeiro lugar, devemos
observar que havia sim aqueles que queriam transformar o socialismo em
religião. Lenin destaca aqui Anatoly Lunacharsky, que queria criar uma religião
que fosse compatível com a ciência e que não possuísse elementos sobrenaturais,
chamada de bogostroitel'stvo (Construção de Deus). Mas por outro
lado, vemos aqui que isto não era aceito por todos os soviéticos, muito menos
por Lenin. Certamente ele escreveu este trecho por que foi questionado sobre
estas coisas. Assim, o ateu moderno não pode generalizar este sentimento entre
os soviéticos.
Um mês após tomar o poder, em 4 de dezembro de 1917, um decreto
nacionalizando todas as propriedades, incluindo propriedades eclesiásticas, foi
promulgado. Mais tarde, em janeiro de 1918, o ensino de religião nas escolas se
tornou ilegal. O ensino “privado” de religião foi permitido apenas para
adultos, tecnicamente sendo ilegal para os pais ensinarem religião a seus
filhos (embora isto não fosse frequentemente cobrado). Estas medidas fariam o
Patriarca Tikhon escrever uma carta em 1 de fevereiro de 1918, onde condena os
bolcheviques por “semear as sementes do ódio”. O seu prestígio e popularidade
evitou que fosse preso.
Com o fim da guerra civil
russa e com a grande fome que assolou o país em 1921 e 1922, o regime viu a
oportunidade de atacar e confiscar os bens de igrejas com o propósito de obter
recursos para combater esta fome. Lenin ficou sabendo que um grupo de monges,
os Cem Negros, pretendia desafiar o regime durante estas remoções. Lenin viu a
oportunidade única aqui de atacar a Igreja Ortodoxa, conforme escreve nesta
carta6,
datada de 19 de março de 1922:
O
evento em Shuia deve estar conectado com o anúncio que a Agência de Notícias
Russa [ROST] recentemente enviou para os jornais mas não foi para publicação, a
saber, o anúncio que os Cem Negros em Petrogrado [Piter] estavam preparando
para desafiar o decreto sobre a remoção de propriedades de valor das igrejas.
Se este fato é comparado com o que os jornais reportam sobre a atitude do clero
ao decreto de confisco das propriedades da igreja em adição ao que nós sabemos
sobre a proclamação ilegal do Patriarca Tikhon, então se torna perfeitamente
claro que o clero dos Cem Negros, guiados por seu líder, com completa
deliberação está conduzindo um plano neste exato momento para nos destruir
decisivamente.
É
óbvio que o grupo mais influente do clero dos Cem Negros concebeu este plano em
reuniões secretas e que isto foi aceito com resolução suficiente. Os eventos em
Shuia são somente uma manifestação e atualização deste plano geral.
Eu
acho que aqui nosso oponente está cometendo um enorme erro estratégico ao
tentar nos levar para uma luta decisiva agora, quando é especialmente
desesperançoso e especialmente desvantajoso para ele. Para nós, por outro lado,
exatamente no presente momento somos presenteados com uma excepcionalmente
favorável, até mesmo única, oportunidade, quando podemos de 99 em 100 chances
derrotar absolutamente nosso inimigo com sucesso completo e nos garantir a
posição que pedimos por décadas. Agora e somente agora, quando o povo está se
devorando em áreas atacadas pela fome, e centenas, se não milhares, de corpos
jazendo pelas ruas, nós podemos (e portanto devemos) buscar o confisco das
propriedades da igreja com a mais irascível e brutal energia e, sem hesitar,
derrotar a menor oposição. Agora e somente agora, a vasta maioria dos
camponeses estará de nosso lado, ou pelo menos não estarão em uma posição de
suporte em qualquer grau decisivo a este pequeno grupo do clero dos Cem Negros
e à pequena burguesia reacionária urbana, que está ávida e capaz de tentar se
opor a este decreto soviético com uma política de força.
Nós
devemos buscar o confisco das propriedades da igreja por quaisquer meios
necessários para assegurarmos um fundo de várias centenas de milhões de rublos
(não esqueçam a imensa riqueza de alguns monastérios). Sem este fundo qualquer
obra do governo em geral, qualquer desenvolvimento econômico em particular e
qualquer patrocínio de princípios soviéticos em Genoa especialmente é
completamente impensável. Para tomarmos estes fundos de várias centenas de
milhões de rublos (e talvez até mesmo várias centenas de bilhões), nós devemos
fazer o que for necessário. Mas só é possível fazer isto de forma bem sucedida
agora. Todas as considerações indicam que depois nós falharemos em fazer isto,
pois nenhum outro tempo, além deste com esta fome desesperadora, nos dará tal
estado de ânimo entre a massa geral de camponeses que nos garantirá a simpatia
deste grupo, ou, pelo menos, nos garantirá a neutralização deste grupo no
sentido que que a vitória na luta pelo confisco das propriedades da igreja
ficará do nosso lado inquestionavelmente e completamente.
Lenin vê aqui a influência do Patriarca Tikhon, que seria preso
em 6 de maio de 1922. Ele pretendia esmagar esta oposição de forma exemplar:
Então,
eu chego à indisputável conclusão que nós devemos precisamente agora esmagar o
clero dos Cem Negros decisiva e brutalmente e demolir toda resistência com tal
brutalidade que eles não esquecerão disto por várias décadas.
Como deveria ser conduzido este plano de esmagar o clero dos Cem
Negros? Lenin dá algumas orientações iniciais, logo tratando de como os clérigos
deveriam ser tratados:
Envie
para Shuia um dos mais enérgicos, equilibrados e capazes membros de todo o
Comitê Executivo Central Russo [VTsIK] ou algum outro representante do governo
central (um é melhor que vários), dando a ele instruções verbais através de um
dos membros do Politburo. As instruções devem ser que, em Shuia, ele deve
prender mais se possível mas não menos que várias dúzias de representantes do
clero local, da pequena burguesia local e da burguesia local sob suspeita de
participação direta ou indireta na resistência à força ao decreto da VtsIK pelo
confisco de propriedades de valor das igrejas. Imediatamente na conclusão desta
tarefa, ele deve retornar a Moscou e pessoalmente entregar um relatório à
sessão completa do Politburo ou dois membros especialmente autorizados do
Politburo. Com base neste relatório, o Politburo dará diretrizes detalhadas às
autoridades judiciais, também verbais, que o julgamento dos insurreicionistas
de Shuia, por opor ajuda aos famintos, deve ser conduzido em grande rapidez e
não deve terminar de outra forma senão no fuzilamento do maior número dos mais
influentes e perigosos dos Cem Negros em Shuia e, se possível, não somente
nesta cidade mas até mesmo em Moscou e outros centros eclesiásticos.
Esta foi uma disputa sobre os bens de valor acumulados pela
Igreja Ortodoxa e certamente a estatização de tais bens fazia parte do programa
comunista de divisão de bens. Mas não se pode separar o programa comunista de
seu ateísmo mesmo neste ponto. Como já vimos, o governo soviético tomou várias
medidas para diminuir a influência da religião, ao ponto do Patriarca Tikhon
considerar tudo aquilo como um “semear de ódio”. O confisco destes bens
naturalmente era visto como parte desta política antirreligiosa e por isto os
Cem Negros resolveram reagir.
Mas o programa antirreligioso veria seu auge após a morte de
Lenin, durante os primeiros anos do governo de Stalin.
Stalin
e a Liga dos Militantes Ateus
Se durante o governo de Lenin, a atitude soviética com relação à
religião foi mais definida, no governo de Stalin esta relação foi bem mais
ambígua. Em alguns momentos a perseguição à religião foi bastante intensa, em
outros, havia uma ampla cooperação entre o regime e os vários representantes
religiosos (especialmente da Igreja Ortodoxa Russa).
O regime soviético incentivou uma ruptura na igreja Ortodoxa
como forma de enfraquecê-la. O grupo ortodoxo leal ao regime soviético ficou
conhecido como os restauracionistas, que atacaram por muitas vezes Tikhon (os
restauracionistas caíram em descrédito perante a população por isto).
Mas nem todos os soviéticos viam com bons olhos este apoio a
religiosos. Estes foram responsáveis pela criação da Liga dos Militantes Ateus:
Embora os restauracionistas tenham jogado sua sorte com os
comunistas, eles eram pelo menos em muitos casos cristãos sinceros que tentavam
fazer o melhor em uma situação difícil. Para elementos mais radicais no
partido, contudo, qualquer compromisso estava fora de questão. Em 1925 um
militante ateu de longa data e apoiador de Stalin escrevendo sob o pseudônimo
de Emelyan Yaroslavsky, editou a revista semanal O Ateu (Bezbozhnik), e
criou a “Liga dos Militantes Ateus”. A Liga, que contou com mais de 100.000
membros em 1928, fez uma variedade de abordagens antirreligiosas. Alguns
defendiam educação e diálogo para mostrar ao religioso quão ilógico e sem
fundamentos científicos suas crenças eram. “Pregadores” ateus saíam ao campo
para ensinar contra a crença em Deus ou debater com sacerdotes; estas reuniões
eram às vezes frequentadas por milhares mas nem sempre eram vencidas por ateus:
camponeses não ficavam impressionados, conforme relatado, de fato sentindo-se
ridicularizados por um argumento dos ateus que “a natureza se criou”. Em geral,
a argumentação da Liga devia parecer bem irrelevante para crentes. Por exemplo,
um “desafio” da Liga argumentava que a água benta, deixada por muito tempo no
mesmo lugar, desenvolveria os mesmos micro-organismos que a água que não fosse
abençoada. Mas por que a presença de criaturas microscópicas “com cabelo,
chifre e caudas” (sic!) iria abalar a fé de alguém?7
Vemos aqui novamente o tema da educação para a diminuição da
crença religiosa, agora defendida por alguns membros da Liga dos Militantes
Ateus. Além disto temos ainda o uso da ciência como arma contra a crença
religiosa sendo destacada de forma mais clara aqui.
Como o texto diz, a Liga
conduziu as mais variadas formas de propaganda antirreligiosa. Muitas delas,
assim como algumas propagandas da própria ATEA, eram bastante ofensivas8. Um
bom exemplo disto eram os panfletos que representavam a virgem Maria gestante e
aguardando um aborto soviético. Mas os ataques não eram feitos somente contra o
cristianismo. Muitos membros da Liga descendentes de judeus invadiam Sinagogas
aos sábados, ou fumavam (ato proibido no judaísmo) e comiam carne de porco nas
suas portas. O ataque mais fracassado, no entanto, ocorreu no Uzbequistão
contra o Islã. Em 1927, em comemoração ao dia internacional da mulher (8 de
março), uma campanha, chamada de hujum,
foi lançada pela liberação da mulher, fazendo-as se livrar de seus véus. As
mulheres que seguiram a campanha, posteriormente, foram obrigadas por
desaprovação pública e violência a deixar a região ou voltar a usar o véu9.
Mas a perseguição à religião ficaria mais intensa ainda:
Com o fim da NEP (Nova Política Econômica), a política
antirreligiosa ficou mais dura. Dois dos grupos mais fortes que pressionavam
por uma ação resoluta contra camponeses religiosos eram o Komsomol (Jovens
Comunistas) e a Liga dos Militantes Ateus. Entre aqueles especificamente alvejados
para prisão e exílio durante a coletivização eram sacerdotes de vilas, em parte
porque eles frequentemente trabalhavam como líderes locais mas também
simplesmente por causa de seu valor simbólico como um elemento do passado
não-comunista (se não abertamente anticomunista). Um novo slogan, “A Tempestade
do Céu”, indicava uma reviravolta da abordagem gradualista do período NEP.
Durante a coletivização, sacerdotes e kulaks eram vistos como aliados e
denunciados como tais na imprensa. Juntamente com prisões em massa de
sacerdotes vinha o confisco simbólico de centenas de sinos de igrejas, o
fechamento dos poucos monastérios restantes e o ataque a crentes de todas as
religiões. Novas leis em 1929 não apenas proibiam propaganda religiosa mas
fizeram o ensino do ateísmo obrigatório na escola e definiam sacerdotes como
parasitas na sociedade que recebiam salário de seus párocos sem trabalhar. Se
tornou cada vez mais perigoso professar religião abertamente ou atender
serviços religiosos. Muitos crentes eram sujeitos à vários tormentos; outros
eram até mesmo presos. Uma indicação da eficácia destas medidas antirreligiosas
é a estatística que por volta de 1930 quatro quintos das igrejas de vilas foram
destruídas ou fechadas. Por volta do começo dos anos 40, mais de 100 bispos,
dezenas de milhares de clérigos Ortodoxos e milhares de monges e crentes leigos
foram mortos ou morreram em prisões soviéticas e no Gulag10.
O extremismo da Liga e de
outros grupos, no entanto, não era aprovado por todos. O escritor Maxim Gorky,
por exemplo, escreveria para Stalin reclamando dos excessos antirreligiosos e
dos métodos empregados, no que Stalin parece concordar. Não sabemos se é esta a
mesma carta11 que Gorky indica o caminho que a
propaganda ateísta deveria seguir:
Além
disto é imperativo colocar a propaganda do ateísmo em patamar sólido. Você não
conseguirá muito com as armas de Marx e o materialismo, como temos visto.
Materialismo e religião são dois diferentes planos e eles não coincidem. Se um
tolo fala dos céus e o sábio de uma fábrica – eles não irão se entender. O
sábio precisa atingir o tolo com seu cajado, com sua arma.
Por
esta razão, deve haver cursos estabelecidos na Academia Comunista que não devem
tratar somente da história da religião, e principalmente da história da igreja
cristã, mas do estudo da história da igreja como política.
Nós
precisamos conhecer os “pais da igreja”, os apologistas do cristianismo,
especialmente indispensável para o estudo da história do catolicismo, a mais
poderosa e intelectual organização eclesiástica cujo significado político é bem
claro. Nós precisamos conhecer a história dos cismas da igreja, heresias, a
Inquisição, as guerras “religiosas”, etc. Cada citação de um crente é
facilmente contra-atacada por dúzias de citações teológicas que a contradiz.
Nós
não podemos fazer sem uma edição da “Bíblia” com comentários críticos da escola
de Tubingen e livros de crítica a textos bíblicos, que poderá trazer uma
bastante útil “confusão na mente” de crentes.
Há um
admirável papel a ser desempenhado aqui por um livro popular sobre os Taboritas
e o movimento Hussita. Será útil introduzir aqui “A história das guerras
camponesas na Alemanha”, o velho livro de Zimmerman. Cuidadosamente editado,
será muito útil para as mentes.
É
necessário produzir um livro sobre a luta da igreja contra a ciência.
Nossa juventude é muito pouco informada sobre questões desta
natureza. A “tendência” para uma disposição religiosa é muito notável – um
resultado natural do desenvolvimento do individualismo. Neste tempo, como
sempre, o jovem está correndo em busca da “resposta definitiva”12.
Diferentemente de uma abordagem mais violenta, Gorky prefere
novamente o caminho da educação. É, no entanto, uma abordagem para uma
propaganda ateísta, como ele mesmo deixa claro. Mesmo assim, a atitude do
regime soviético sob Stalin não mudaria até o início da Segunda Guerra Mundial.
A igreja Ortodoxa se posicionou durante a guerra ao lado do
governo soviético e deu amplo apoio a este. Em troca, o regime soviético
diminuiria muitas restrições à religião. A Liga dos Militantes Ateus seria
extinta em 1942 e os líderes religiosos poderiam declarar abertamente suas
convicções religiosas. O fato de igrejas em territórios ocupados pelos nazistas
receberem a permissão de abrir as portas motivou Stalin a fazer o mesmo em seu
território. Esta situação durou até o fim da Segunda Guerra, quando algumas
restrições às igrejas foram novamente adotadas. Mas mesmo assim, o acordo
básico entre o Estado Soviético e a Igreja Ortodoxa continuou existindo.
Conclusão
Chegamos ao fim de nossa
análise e uma pergunta nos vem à mente: afinal de contas, o ateísmo garante o
fim da perseguição religiosa? Pelo que vemos acima, isto está longe de ser
verdade. Longe de estimular a liberdade de pensamento, vimos que no regime comunista
o ensino da religião foi duramente reprimido. Até mesmo em nossos dias a Coreia
do Norte, que segue o regime comunista, encabeça a lista de países que
perseguem cristãos13.
Dizer que eles não são ateus, mas comunistas, é negar o que foi definido como
ateísmo até mesmo pelo site da ATEA.
Mas não podemos aqui cair no mesmo erro que os ateus caem ao
apontar a religião como o mal do mundo. Não podemos aqui generalizar, dizendo
que a conduta daquelas pessoas é o padrão de todos. Não é o ateísmo ou o teísmo
que é responsável por grandes massacres no mundo, mas sim, a sede humana por
poder. E nesta busca desenfreada por poder, vale tudo para justificar atos
sanguinários para toda a sociedade. Até mesmo se valer das ideias e costumes em
voga.
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