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domingo, 12 de abril de 2015

O comunismo e o ateísmo de Lenin

Vladimir Ilyich Lenin, nascido em 10 de Abril de 1870, seria responsável pelo governo da República Federativa Socialista Soviética Russa de 1917 até sua morte, em 1924. Politicamente marxista, suas contribuições teóricas ao pensamento marxista são conhecidas como leninismo, que unido à teoria econômica marxista passou à história como marxismo-leninismo. Após sua morte, o marxismo-leninismo se desdobrou em outras escolas de pensamento como o stalinismo, o trotskismo e o maoismo.

Por ser figura de destaque na Revolução Russa e por suas contribuições ao pensamento marxista, é muito interessante observar qual sua opinião a respeito da religião. Mesmo porque é sob seu governo que se inicia a perseguição religiosa na Rússia comunista. Sobre isto, há uma carta muito interessante intitulada “A atitude do partido dos trabalhadores com respeito à Religião”, publicada em 13 de maio de 19095. Lenin via grande importância em se definir a posição dos “sociais-democratas” com relação à religião:
A Social-Democracia baseia toda sua cosmovisão no socialismo científico, ou seja, marxismo. A base filosófica do marxismo, como Marx e Engels declararam, é o materialismo dialético, que assumiu completamente as tradições históricas do materialismo do século dezoito na França e de Feuerbach (primeira metade do século dezenove) na Alemanha – um materialismo que é absolutamente ateísta e positivamente hostil a todas as religiões. Recordemos que todo o Anti-Dühring de Engels, que Marx leu em manuscrito, é uma denúncia do materialista e ateu Dühring por não ser um materialista consistente e deixar aberturas para a religião e para a filosofia religiosa. Recordemos que em seu ensaio sobre Ludwig Feuerbach, Engels reprova Feuerbach por combater a religião não com o objetivo de destruí-la, mas para renová-la, para inventar uma nova, “exaltada” religião, e por aí vai. Religião é o ópio do povo – este dito de Marx é o fundamento de toda a visão marxista da religião. O marxismo sempre considerou todas as religiões e igrejas modernas e cada organização religiosa como instrumentos de reação burguesa que servem para defender a exploração e confundir a classe trabalhadora.
Aqui Lenin portanto aponta duas causas para a oposição marxista à religião. A primeira é exatamente o materialismo ateísta que é base do marxismo (chamado aqui de socialismo científico). O segundo ponto, mencionado mais brevemente, é a manipulação da classe trabalhadora promovida por meio da religião, um tema aqui mais ligado ao comunismo. Assim, quando o ateu aponta apenas para o comunismo como causa da oposição soviética à religião, ele não está fazendo uma análise completa da situação.
É muito interessante observar neste trecho alguns pontos que também surgem no discurso ateu de nossos dias. Observamos a ênfase no materialismo como o oposto à religião, enquanto o ateísmo moderno adota o materialismo através de seu apelo à ciência como único meio de explicar o mundo. Outro ponto em comum é a forma de combate à religião. Segundo Lenin:
Acusando o ultrarrevolucionário Dühring de querer repetir a tolice de Bismarck de outra forma, Engels insistiu que o partido dos trabalhadores tenha a habilidade de trabalhar pacientemente na tarefa de organizar e educar o proletariado, o que levaria à morte da religião, e não se jogar à aposta de uma guerra política à religião.
Lenin descreve aqui como Engels pretendia acabar com a influência da religião: não com guerras mas com educação da população. Certamente Lenin concordava com Engels neste ponto, já que o apresenta favoravelmente. E aqui temos mais um ponto em comum com o ateísmo moderno. Muitos ateus acreditam que a educação e a ciência fará o mundo evoluir de tal forma que no futuro, não haverá mais a necessidade da religião.
É curioso, no entanto, como o comunismo de Lenin que dá um tom mais moderado a seu ateísmo. Respondendo a questão dos “anarquistas”, que colocam a guerra contra a religião acima de tudo, Lenin escreve o seguinte trecho:
Esta é uma das atuais objeções ao marxismo que testificam um completo mal-entendido sobre a dialética marxista. A contradição que perplexa estes objetores é uma contradição na vida real, ou seja, uma contradição dialética, não uma verbal ou inventada. Desenhar uma linha entre a propaganda teórica do ateísmo, ou seja, a destruição das crenças religiosas entre certos grupos do proletariado, e o sucesso, o progresso e as condições da luta de classe destas seções, é raciocinar de forma não dialética; transformar um limite cambiável e relativo em um limite absoluto é forçosamente desconectar o que está indissoluvelmente conectado na vida real. Vamos pegar um exemplo. O proletariado em uma região particular e em uma indústria em particular está dividido, vamos assumir, em uma avançada seção de social-democratas suficientemente conscientes sobre as classes, que são é claro ateus, e retrógrados trabalhadores que ainda estão conectados com o campo e com os camponeses, e que acreditam em Deus, vão à igreja ou ainda estão sob direta influência do padre local – que, vamos supor, está organizando uma união de trabalhadores cristãos. Vamos assumir ainda mais que a luta econômica nesta localidade resultou em uma greve. É o dever de um marxista colocar o sucesso da greve acima de qualquer coisa, agir vigorosamente contra a divisão dos trabalhadores nesta luta entre ateus e cristãos, opor vigorosamente a tal divisão. A propaganda ateísta em tais circunstâncias pode ser desnecessária e prejudicial – não pelo temor grosseiro de espantar as seções retrógradas, de perder uma cadeira nas eleições e por aí vai, mas por consideração pelo real progresso da luta de classe, que na condição da moderna sociedade capitalista converterá trabalhadores cristãos para a Social-Democracia e para o ateísmo cem vezes melhor do que uma simples propaganda ateísta.
Para Lenin, a luta de classes deveria ficar acima de qualquer militância pró-ateísmo. Isto incluía tentar unir operários religiosos e ateus em torno da causa operária. O comunismo, antes de ser a causa principal de oposição à religião, era na verdade o que dava motivos para a tolerância à religião. É importante observar no trecho acima como a relação com o comunismo faz o ateísmo soviético ser diferente do ateísmo atual e em que aspecto se dá esta diferença. Para Lenin, a implantação do comunismo acabaria transformando a sociedade em uma sociedade ateia. Lenin acreditava que o capitalismo criava um ambiente de sofrimento e temor que favorecia a religião, assim, quando este sofrimento e temor fossem eliminados, a religião deixaria de existir. Assim, além da crença na educação como forma de se eliminar a religião, os soviéticos também acreditavam que a mudança da sociedade faria o mesmo. Eles pretendiam atacar a religião em um campo geralmente renegado por ateus atuais.
Muitos ateus apontam, como já mencionado, que os soviéticos tratavam o comunismo como uma religião. É interessante que esta pergunta também pode ser respondida pela carta de Lenin:
Outro exemplo. Os membros do Partido Social-Democrático deveriam ser censurados todos da mesma forma por declararem que “o socialismo é minha religião”, e por defender pontos de vista que mantém esta declaração? Não! O desvio do Marxismo (e consequentemente do socialismo) é aqui indisputável, mas o significado do desvio é relativo em importância, se podemos dizer assim, pode variar com as circunstâncias. Uma coisa é quando um agitador ou uma pessoa se dirige aos trabalhadores e fala desta forma para se fazer melhor entendido, como uma introdução a seu assunto, para apresentar seus pontos de vista mais vividamente em termos que as massas retrógradas estão mais acostumadas. Outra coisa é quando um escritor começa a pregar “Construção de Deus” ou a “Construção de Deus” socialista (no espírito, por exemplo, de nosso Lunacharsky e outros). Enquanto que no primeiro caso a censura seria mera busca de defeitos, ou até mesmo restrição inapropriada da liberdade do agitador, de sua liberdade em escolher métodos “pedagógicos”, no segundo caso a censura do partido é necessária e essencial. Para alguns a declaração “socialismo é uma religião” é uma forma de transição da religião para o socialismo, para outros, é uma forma de transição do socialismo para a religião.
Em primeiro lugar, devemos observar que havia sim aqueles que queriam transformar o socialismo em religião. Lenin destaca aqui Anatoly Lunacharsky, que queria criar uma religião que fosse compatível com a ciência e que não possuísse elementos sobrenaturais, chamada de bogostroitel'stvo (Construção de Deus). Mas por outro lado, vemos aqui que isto não era aceito por todos os soviéticos, muito menos por Lenin. Certamente ele escreveu este trecho por que foi questionado sobre estas coisas. Assim, o ateu moderno não pode generalizar este sentimento entre os soviéticos.
Um mês após tomar o poder, em 4 de dezembro de 1917, um decreto nacionalizando todas as propriedades, incluindo propriedades eclesiásticas, foi promulgado. Mais tarde, em janeiro de 1918, o ensino de religião nas escolas se tornou ilegal. O ensino “privado” de religião foi permitido apenas para adultos, tecnicamente sendo ilegal para os pais ensinarem religião a seus filhos (embora isto não fosse frequentemente cobrado). Estas medidas fariam o Patriarca Tikhon escrever uma carta em 1 de fevereiro de 1918, onde condena os bolcheviques por “semear as sementes do ódio”. O seu prestígio e popularidade evitou que fosse preso.
Com o fim da guerra civil russa e com a grande fome que assolou o país em 1921 e 1922, o regime viu a oportunidade de atacar e confiscar os bens de igrejas com o propósito de obter recursos para combater esta fome. Lenin ficou sabendo que um grupo de monges, os Cem Negros, pretendia desafiar o regime durante estas remoções. Lenin viu a oportunidade única aqui de atacar a Igreja Ortodoxa, conforme escreve nesta carta6, datada de 19 de março de 1922:
O evento em Shuia deve estar conectado com o anúncio que a Agência de Notícias Russa [ROST] recentemente enviou para os jornais mas não foi para publicação, a saber, o anúncio que os Cem Negros em Petrogrado [Piter] estavam preparando para desafiar o decreto sobre a remoção de propriedades de valor das igrejas. Se este fato é comparado com o que os jornais reportam sobre a atitude do clero ao decreto de confisco das propriedades da igreja em adição ao que nós sabemos sobre a proclamação ilegal do Patriarca Tikhon, então se torna perfeitamente claro que o clero dos Cem Negros, guiados por seu líder, com completa deliberação está conduzindo um plano neste exato momento para nos destruir decisivamente.
É óbvio que o grupo mais influente do clero dos Cem Negros concebeu este plano em reuniões secretas e que isto foi aceito com resolução suficiente. Os eventos em Shuia são somente uma manifestação e atualização deste plano geral.
Eu acho que aqui nosso oponente está cometendo um enorme erro estratégico ao tentar nos levar para uma luta decisiva agora, quando é especialmente desesperançoso e especialmente desvantajoso para ele. Para nós, por outro lado, exatamente no presente momento somos presenteados com uma excepcionalmente favorável, até mesmo única, oportunidade, quando podemos de 99 em 100 chances derrotar absolutamente nosso inimigo com sucesso completo e nos garantir a posição que pedimos por décadas. Agora e somente agora, quando o povo está se devorando em áreas atacadas pela fome, e centenas, se não milhares, de corpos jazendo pelas ruas, nós podemos (e portanto devemos) buscar o confisco das propriedades da igreja com a mais irascível e brutal energia e, sem hesitar, derrotar a menor oposição. Agora e somente agora, a vasta maioria dos camponeses estará de nosso lado, ou pelo menos não estarão em uma posição de suporte em qualquer grau decisivo a este pequeno grupo do clero dos Cem Negros e à pequena burguesia reacionária urbana, que está ávida e capaz de tentar se opor a este decreto soviético com uma política de força.
Nós devemos buscar o confisco das propriedades da igreja por quaisquer meios necessários para assegurarmos um fundo de várias centenas de milhões de rublos (não esqueçam a imensa riqueza de alguns monastérios). Sem este fundo qualquer obra do governo em geral, qualquer desenvolvimento econômico em particular e qualquer patrocínio de princípios soviéticos em Genoa especialmente é completamente impensável. Para tomarmos estes fundos de várias centenas de milhões de rublos (e talvez até mesmo várias centenas de bilhões), nós devemos fazer o que for necessário. Mas só é possível fazer isto de forma bem sucedida agora. Todas as considerações indicam que depois nós falharemos em fazer isto, pois nenhum outro tempo, além deste com esta fome desesperadora, nos dará tal estado de ânimo entre a massa geral de camponeses que nos garantirá a simpatia deste grupo, ou, pelo menos, nos garantirá a neutralização deste grupo no sentido que que a vitória na luta pelo confisco das propriedades da igreja ficará do nosso lado inquestionavelmente e completamente.
Lenin vê aqui a influência do Patriarca Tikhon, que seria preso em 6 de maio de 1922. Ele pretendia esmagar esta oposição de forma exemplar:
Então, eu chego à indisputável conclusão que nós devemos precisamente agora esmagar o clero dos Cem Negros decisiva e brutalmente e demolir toda resistência com tal brutalidade que eles não esquecerão disto por várias décadas.
Como deveria ser conduzido este plano de esmagar o clero dos Cem Negros? Lenin dá algumas orientações iniciais, logo tratando de como os clérigos deveriam ser tratados:
Envie para Shuia um dos mais enérgicos, equilibrados e capazes membros de todo o Comitê Executivo Central Russo [VTsIK] ou algum outro representante do governo central (um é melhor que vários), dando a ele instruções verbais através de um dos membros do Politburo. As instruções devem ser que, em Shuia, ele deve prender mais se possível mas não menos que várias dúzias de representantes do clero local, da pequena burguesia local e da burguesia local sob suspeita de participação direta ou indireta na resistência à força ao decreto da VtsIK pelo confisco de propriedades de valor das igrejas. Imediatamente na conclusão desta tarefa, ele deve retornar a Moscou e pessoalmente entregar um relatório à sessão completa do Politburo ou dois membros especialmente autorizados do Politburo. Com base neste relatório, o Politburo dará diretrizes detalhadas às autoridades judiciais, também verbais, que o julgamento dos insurreicionistas de Shuia, por opor ajuda aos famintos, deve ser conduzido em grande rapidez e não deve terminar de outra forma senão no fuzilamento do maior número dos mais influentes e perigosos dos Cem Negros em Shuia e, se possível, não somente nesta cidade mas até mesmo em Moscou e outros centros eclesiásticos.
Esta foi uma disputa sobre os bens de valor acumulados pela Igreja Ortodoxa e certamente a estatização de tais bens fazia parte do programa comunista de divisão de bens. Mas não se pode separar o programa comunista de seu ateísmo mesmo neste ponto. Como já vimos, o governo soviético tomou várias medidas para diminuir a influência da religião, ao ponto do Patriarca Tikhon considerar tudo aquilo como um “semear de ódio”. O confisco destes bens naturalmente era visto como parte desta política antirreligiosa e por isto os Cem Negros resolveram reagir.
Mas o programa antirreligioso veria seu auge após a morte de Lenin, durante os primeiros anos do governo de Stalin.

Stalin e a Liga dos Militantes Ateus

Se durante o governo de Lenin, a atitude soviética com relação à religião foi mais definida, no governo de Stalin esta relação foi bem mais ambígua. Em alguns momentos a perseguição à religião foi bastante intensa, em outros, havia uma ampla cooperação entre o regime e os vários representantes religiosos (especialmente da Igreja Ortodoxa Russa).
O regime soviético incentivou uma ruptura na igreja Ortodoxa como forma de enfraquecê-la. O grupo ortodoxo leal ao regime soviético ficou conhecido como os restauracionistas, que atacaram por muitas vezes Tikhon (os restauracionistas caíram em descrédito perante a população por isto).
Mas nem todos os soviéticos viam com bons olhos este apoio a religiosos. Estes foram responsáveis pela criação da Liga dos Militantes Ateus:
Embora os restauracionistas tenham jogado sua sorte com os comunistas, eles eram pelo menos em muitos casos cristãos sinceros que tentavam fazer o melhor em uma situação difícil. Para elementos mais radicais no partido, contudo, qualquer compromisso estava fora de questão. Em 1925 um militante ateu de longa data e apoiador de Stalin escrevendo sob o pseudônimo de Emelyan Yaroslavsky, editou a revista semanal O Ateu (Bezbozhnik), e criou a “Liga dos Militantes Ateus”. A Liga, que contou com mais de 100.000 membros em 1928, fez uma variedade de abordagens antirreligiosas. Alguns defendiam educação e diálogo para mostrar ao religioso quão ilógico e sem fundamentos científicos suas crenças eram. “Pregadores” ateus saíam ao campo para ensinar contra a crença em Deus ou debater com sacerdotes; estas reuniões eram às vezes frequentadas por milhares mas nem sempre eram vencidas por ateus: camponeses não ficavam impressionados, conforme relatado, de fato sentindo-se ridicularizados por um argumento dos ateus que “a natureza se criou”. Em geral, a argumentação da Liga devia parecer bem irrelevante para crentes. Por exemplo, um “desafio” da Liga argumentava que a água benta, deixada por muito tempo no mesmo lugar, desenvolveria os mesmos micro-organismos que a água que não fosse abençoada. Mas por que a presença de criaturas microscópicas “com cabelo, chifre e caudas” (sic!) iria abalar a fé de alguém?7
Vemos aqui novamente o tema da educação para a diminuição da crença religiosa, agora defendida por alguns membros da Liga dos Militantes Ateus. Além disto temos ainda o uso da ciência como arma contra a crença religiosa sendo destacada de forma mais clara aqui.
Como o texto diz, a Liga conduziu as mais variadas formas de propaganda antirreligiosa. Muitas delas, assim como algumas propagandas da própria ATEA, eram bastante ofensivas8. Um bom exemplo disto eram os panfletos que representavam a virgem Maria gestante e aguardando um aborto soviético. Mas os ataques não eram feitos somente contra o cristianismo. Muitos membros da Liga descendentes de judeus invadiam Sinagogas aos sábados, ou fumavam (ato proibido no judaísmo) e comiam carne de porco nas suas portas. O ataque mais fracassado, no entanto, ocorreu no Uzbequistão contra o Islã. Em 1927, em comemoração ao dia internacional da mulher (8 de março), uma campanha, chamada de hujum, foi lançada pela liberação da mulher, fazendo-as se livrar de seus véus. As mulheres que seguiram a campanha, posteriormente, foram obrigadas por desaprovação pública e violência a deixar a região ou voltar a usar o véu9.
Mas a perseguição à religião ficaria mais intensa ainda:
Com o fim da NEP (Nova Política Econômica), a política antirreligiosa ficou mais dura. Dois dos grupos mais fortes que pressionavam por uma ação resoluta contra camponeses religiosos eram o Komsomol (Jovens Comunistas) e a Liga dos Militantes Ateus. Entre aqueles especificamente alvejados para prisão e exílio durante a coletivização eram sacerdotes de vilas, em parte porque eles frequentemente trabalhavam como líderes locais mas também simplesmente por causa de seu valor simbólico como um elemento do passado não-comunista (se não abertamente anticomunista). Um novo slogan, “A Tempestade do Céu”, indicava uma reviravolta da abordagem gradualista do período NEP. Durante a coletivização, sacerdotes e kulaks eram vistos como aliados e denunciados como tais na imprensa. Juntamente com prisões em massa de sacerdotes vinha o confisco simbólico de centenas de sinos de igrejas, o fechamento dos poucos monastérios restantes e o ataque a crentes de todas as religiões. Novas leis em 1929 não apenas proibiam propaganda religiosa mas fizeram o ensino do ateísmo obrigatório na escola e definiam sacerdotes como parasitas na sociedade que recebiam salário de seus párocos sem trabalhar. Se tornou cada vez mais perigoso professar religião abertamente ou atender serviços religiosos. Muitos crentes eram sujeitos à vários tormentos; outros eram até mesmo presos. Uma indicação da eficácia destas medidas antirreligiosas é a estatística que por volta de 1930 quatro quintos das igrejas de vilas foram destruídas ou fechadas. Por volta do começo dos anos 40, mais de 100 bispos, dezenas de milhares de clérigos Ortodoxos e milhares de monges e crentes leigos foram mortos ou morreram em prisões soviéticas e no Gulag10.
O extremismo da Liga e de outros grupos, no entanto, não era aprovado por todos. O escritor Maxim Gorky, por exemplo, escreveria para Stalin reclamando dos excessos antirreligiosos e dos métodos empregados, no que Stalin parece concordar. Não sabemos se é esta a mesma carta11 que Gorky indica o caminho que a propaganda ateísta deveria seguir:
Além disto é imperativo colocar a propaganda do ateísmo em patamar sólido. Você não conseguirá muito com as armas de Marx e o materialismo, como temos visto. Materialismo e religião são dois diferentes planos e eles não coincidem. Se um tolo fala dos céus e o sábio de uma fábrica – eles não irão se entender. O sábio precisa atingir o tolo com seu cajado, com sua arma.
Por esta razão, deve haver cursos estabelecidos na Academia Comunista que não devem tratar somente da história da religião, e principalmente da história da igreja cristã, mas do estudo da história da igreja como política.
Nós precisamos conhecer os “pais da igreja”, os apologistas do cristianismo, especialmente indispensável para o estudo da história do catolicismo, a mais poderosa e intelectual organização eclesiástica cujo significado político é bem claro. Nós precisamos conhecer a história dos cismas da igreja, heresias, a Inquisição, as guerras “religiosas”, etc. Cada citação de um crente é facilmente contra-atacada por dúzias de citações teológicas que a contradiz.
Nós não podemos fazer sem uma edição da “Bíblia” com comentários críticos da escola de Tubingen e livros de crítica a textos bíblicos, que poderá trazer uma bastante útil “confusão na mente” de crentes.
Há um admirável papel a ser desempenhado aqui por um livro popular sobre os Taboritas e o movimento Hussita. Será útil introduzir aqui “A história das guerras camponesas na Alemanha”, o velho livro de Zimmerman. Cuidadosamente editado, será muito útil para as mentes.
É necessário produzir um livro sobre a luta da igreja contra a ciência.
Nossa juventude é muito pouco informada sobre questões desta natureza. A “tendência” para uma disposição religiosa é muito notável – um resultado natural do desenvolvimento do individualismo. Neste tempo, como sempre, o jovem está correndo em busca da “resposta definitiva”12.
Diferentemente de uma abordagem mais violenta, Gorky prefere novamente o caminho da educação. É, no entanto, uma abordagem para uma propaganda ateísta, como ele mesmo deixa claro. Mesmo assim, a atitude do regime soviético sob Stalin não mudaria até o início da Segunda Guerra Mundial.
A igreja Ortodoxa se posicionou durante a guerra ao lado do governo soviético e deu amplo apoio a este. Em troca, o regime soviético diminuiria muitas restrições à religião. A Liga dos Militantes Ateus seria extinta em 1942 e os líderes religiosos poderiam declarar abertamente suas convicções religiosas. O fato de igrejas em territórios ocupados pelos nazistas receberem a permissão de abrir as portas motivou Stalin a fazer o mesmo em seu território. Esta situação durou até o fim da Segunda Guerra, quando algumas restrições às igrejas foram novamente adotadas. Mas mesmo assim, o acordo básico entre o Estado Soviético e a Igreja Ortodoxa continuou existindo.

Conclusão

Chegamos ao fim de nossa análise e uma pergunta nos vem à mente: afinal de contas, o ateísmo garante o fim da perseguição religiosa? Pelo que vemos acima, isto está longe de ser verdade. Longe de estimular a liberdade de pensamento, vimos que no regime comunista o ensino da religião foi duramente reprimido. Até mesmo em nossos dias a Coreia do Norte, que segue o regime comunista, encabeça a lista de países que perseguem cristãos13. Dizer que eles não são ateus, mas comunistas, é negar o que foi definido como ateísmo até mesmo pelo site da ATEA.
Mas não podemos aqui cair no mesmo erro que os ateus caem ao apontar a religião como o mal do mundo. Não podemos aqui generalizar, dizendo que a conduta daquelas pessoas é o padrão de todos. Não é o ateísmo ou o teísmo que é responsável por grandes massacres no mundo, mas sim, a sede humana por poder. E nesta busca desenfreada por poder, vale tudo para justificar atos sanguinários para toda a sociedade. Até mesmo se valer das ideias e costumes em voga.


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Item Reviewed: O comunismo e o ateísmo de Lenin Rating: 5 Reviewed By: Gabriel Orcioli