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segunda-feira, 14 de setembro de 2015

O Cristianismo e crença voltada aos pobres e necessitados



Já publiquei aqui um artigo mostrando como a condenação cristã do aborto e do infanticídio é incongruente, se levados em conta os dogmas da imortalidade da alma e da recompensa divina depois da morte.

Hoje quero mostrar como a doutrina cristã, se conduzida de forma coerente, tampouco pode justificar o repúdio ao suicídio. Veja o que diz o crítico inglês A. Alvarez no livro O deus selvagem - um estudo sobre o suicídio:

"O cristianismo, que nasceu como uma religião para os pobres e rejeitados, aproveitou-se dessa sede de sangue, combinou-a com o hábito do suicídio, e transformou a ambos numa sede de martírio. Os romanos podem ter lançado cristãos aos leões por puro passatempo, mas não estavam preparados para o fato de os cristãos encararem esses animais como instrumentos de glória e salvação. 'Deixai-me desfrutar dessas férias', disse Inácio, 'que por meu desejo seriam ainda mais cruéis do que já são; e se elas não me quiserem atacar, eu as provocarei e arrastarei à força.' A perseguição aos primeiros cristãos foi menos uma perseguição religiosa e política do que uma perversão que eles próprios buscavam. Para os sofisticados magistrados romanos, a obstinação cristã era principalmente um embaraço; como quando os cristãos se recusavam a fazer as reverências simbólicas à religião oficial que salvariam suas vidas ou, se isso falhasse, recusavam-se a tirar proveito do conveniente intervalo entre o julgamento e a execução para fugir. O embaraço se transformava em irritação quando esses protomártires, aprendizes de táticos revolucionários à frente de seu tempo, respondiam à clemência com provocações. E a irritação acabava em fastio: um procônsul africano cercado por uma turba de cristãos que uivava por martírio berrou: 'Ide-vos enforcar e afogar e deixai em paz o magistrado'. Outros, não menos entediados, eram menos benevolentes. O glorioso batalhão de mártires chegou a somar milhares de homens, mulheres e crianças, que eram decapitados, queimados vivos, arremessados do alto de penhascos, tostados em grelhas e cortados em pedaços - todos mais ou menos gratuitamente, por sua livre e espontânea vontade, como atos de deliberada provocação. O martírio foi uma forma romana de perseguição na mesma medida em que foi uma invenção cristã."
Como se vê, o slogan cristão "morrer para o mundo e nascer para Cristo", que se vê em camisetas e adesivos para carros, nem sempre foi só uma metáfora... Para os cristãos de hoje, esses excertos podem parecer surpreendentes. Afinal, o cristianismo construiu ao longo da história uma narrativa fraudulenta segundo a qual os cristãos foram perseguidos pelo Império Romano. Fraudulenta não porque isso jamais aconteceu. Nero, Décio, Domiciano, Trajano e Diocleciano realmente perseguiram os membros da nova seita judaica. Mas o que os cristãos não contam é o que os excertos mostram: muitos dos seus chamados mártires provocaram as autoridades romanas para obter uma condenação à morte e foram executados ostentando um sorriso no rosto.

Isso aconteceu por muitos motivos. Primeiro porque, como mostra Alvarez, não há na Bíblia um único versículo em que se condena o suicídio. Deus, que tão foi prolixo em prescrições dietéticas, registros genealógicos e outras bobagens desse tipo, aparentemente não se lembrou de abordar o tema. Assim, quando os padres da Igreja quiseram fazer do suicídio um pecado, tiveram que extrapolar o sentido do quinto mandamento, o genérico "Não matarás", ou então recorrer às fontes pagãs, mais especificamente a filosofia grega. A ideia agostiniana de que a vida é uma dádiva de Deus, sendo por isso inviolável, veio de Platão. A de Tomás de Aquino, de que o suicídio é um crime contra a comunidade, remonta a Aristóteles.

Mas o maior estímulo veio da própria doutrina cristã. Como o cristianismo sempre pintou este mundo como um local de sofrimentos, "um vale de lágrimas", como sempre garantiu que a felicidade só podia ser obtida depois da morte, na outra vida, nada mais natural que houvesse entre os primeiros cristãos uma epidemia de suicídios. É realmente de espantar que Inácio se mostrasse tão entusiasmado com a possibilidade de ser despedaçado por leões? (Há ainda que se levar em conta o estímulo da própria Igreja Católica, que, pela boca de seus sábios, oferecia aos suicidas todo um conjunto de honrarias póstumas. "Os mártires", diz Alvarez, "tinham seus nomes celebrados anualmente pelo calendário da Igreja, suas mortes registradas oficialmente, suas relíquias adoradas.")

O suicídio seria proibido pela Igreja apenas no século VI, portanto muitos anos depois dos acontecimentos descritos nas citações. Somente então ele se tornou o pecado monstruoso que é hoje. Alguns teólogos chegaram mesmo a dizer que Judas era mais culpado por haver se suicidado do que por haver traído Jesus... Já no século XI, São Bruno classificou os suicidas, que tanto haviam ajudado a consolidar o cristianismo, como "mártires de Satã".

Quero chamar a atenção para o seguinte aspecto: a condenação do suicídio, assim como a do aborto e a do infanticídio, não decorre da própria lógica interna da doutrina cristã. É como um enxerto mal ajustado ao todo, um pedaço de tecido preto posto de remendo num vestido branco. Não se pode dizer que este mundo é um inferno, que existe outra vida melhor do que esta esperando por nós e, depois disso, querer condenar o suicídio. É incoerente, grotesco e ridículo.
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Texto de Rodrigo Cesar Dias
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