Como se vê, o slogan cristão "morrer para o mundo e nascer para Cristo", que se vê em camisetas e adesivos para carros, nem sempre foi só uma metáfora... Para os cristãos de hoje, esses excertos podem parecer surpreendentes. Afinal, o cristianismo construiu ao longo da história uma narrativa fraudulenta segundo a qual os cristãos foram perseguidos pelo Império Romano. Fraudulenta não porque isso jamais aconteceu. Nero, Décio, Domiciano, Trajano e Diocleciano realmente perseguiram os membros da nova seita judaica. Mas o que os cristãos não contam é o que os excertos mostram: muitos dos seus chamados mártires provocaram as autoridades romanas para obter uma condenação à morte e foram executados ostentando um sorriso no rosto.
Isso aconteceu por muitos motivos. Primeiro porque, como mostra Alvarez, não há na Bíblia um único versículo em que se condena o suicídio. Deus, que tão foi prolixo em prescrições dietéticas, registros genealógicos e outras bobagens desse tipo, aparentemente não se lembrou de abordar o tema. Assim, quando os padres da Igreja quiseram fazer do suicídio um pecado, tiveram que extrapolar o sentido do quinto mandamento, o genérico "Não matarás", ou então recorrer às fontes pagãs, mais especificamente a filosofia grega. A ideia agostiniana de que a vida é uma dádiva de Deus, sendo por isso inviolável, veio de Platão. A de Tomás de Aquino, de que o suicídio é um crime contra a comunidade, remonta a Aristóteles.
Mas o maior estímulo veio da própria doutrina cristã. Como o cristianismo sempre pintou este mundo como um local de sofrimentos, "um vale de lágrimas", como sempre garantiu que a felicidade só podia ser obtida depois da morte, na outra vida, nada mais natural que houvesse entre os primeiros cristãos uma epidemia de suicídios. É realmente de espantar que Inácio se mostrasse tão entusiasmado com a possibilidade de ser despedaçado por leões? (Há ainda que se levar em conta o estímulo da própria Igreja Católica, que, pela boca de seus sábios, oferecia aos suicidas todo um conjunto de honrarias póstumas. "Os mártires", diz Alvarez, "tinham seus nomes celebrados anualmente pelo calendário da Igreja, suas mortes registradas oficialmente, suas relíquias adoradas.")
O suicídio seria proibido pela Igreja apenas no século VI, portanto muitos anos depois dos acontecimentos descritos nas citações. Somente então ele se tornou o pecado monstruoso que é hoje. Alguns teólogos chegaram mesmo a dizer que Judas era mais culpado por haver se suicidado do que por haver traído Jesus... Já no século XI, São Bruno classificou os suicidas, que tanto haviam ajudado a consolidar o cristianismo, como "mártires de Satã".
Quero chamar a atenção para o seguinte aspecto: a condenação do suicídio, assim como a do aborto e a do infanticídio, não decorre da própria lógica interna da doutrina cristã. É como um enxerto mal ajustado ao todo, um pedaço de tecido preto posto de remendo num vestido branco. Não se pode dizer que este mundo é um inferno, que existe outra vida melhor do que esta esperando por nós e, depois disso, querer condenar o suicídio. É incoerente, grotesco e ridículo.
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Texto de Rodrigo Cesar Dias
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