Há uma diferença marcante entre
ambos.
Acabei de ler um livro tão
interessante quanto complexo, Depois da
Religião (Ed. Difel, 2008), dos filósofos franceses Luc Ferry e Marcel
Gauchet. É uma leitura bastante difícil e que requer muita atenção.
Dentre as muitas ideias ali
apresentadas, gostei particularmente da “Divinização do Humano”, proposta por
Gauchet, que sugere que a religiosidade moderna tem tomado um caminho
horizontal (do homem para o homem) e não mais vertical (do homem para o Deus).
Mas o que é o sagrado, na atual
sociedade? Está destinado a desaparecer ou irá se reinventar, mudando de
símbolos? A natureza hoje em dia é extremamente sacralizada, não só pela
noção de que a estamos destruindo, como da ideia do quanto ela, em toda sua
grandiosidade e diversidade, pode mesmo ser considerada “divina”. Creio que
seja esse tipo de crença que Charles Darwin possuía – e eu também. Mas no
sentido de fascínio pelo que ela é, não de temor, veneração ou subserviência a
ela. Será que não basta pensar em quanto o mundo natural é maravilhoso sem ter
que meter nele um monte de seres mágicos? Não se pode olhar a natureza e ver
que sua beleza é intrínseca, sem achar que foi alguém que a criou? Só porque o
ser humano tem a capacidade de criar não significa que tudo o mais também tenha
forçosamente que ter sido criado. A beleza do mundo natural está, exatamente,
no fato de não ter sido projetada por ninguém, e é precisamente isto que a faz
ainda mais bela e fantástica.
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Não é o bastante ver que um
jardim é bonito sem ter que acreditar também que há fadas escondidas nele? (Douglas
Adams)
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Mas apesar de tudo isso uma coisa
ainda é certa: o sentido religioso não mudou e nem nunca vai mudar: sempre será
o ato de adorar/acreditar/venerar alguma coisa. O que está mudando atualmente é
o ALVO: não é mais algo que acredita-se existir – Deus; agora é algo que DE
FATO existe – o próprio homem. Mais: não se faz mais o correto, o bom ou o
justo por temor a algum ser sobrenatural que esteja nos olhando e virá a nos
julgar por isso, mas sim porque fazer o correto, o bom e o justo... é correto,
bom e justo!
E, mesmo para aqueles que ainda
seguem o inexistente, o conteúdo de suas doutrinas já não lhes são mais tão
claros, tão sedutores, tão envolventes – e é exatamente por isto que estão
migrando para dentro de si, e não mais para dentro de um templo, seja ele uma
igreja, uma sinagoga, uma mesquita, um terreiro...
Uma espiritualidade laica não
só é possível como é inevitável, e vemos esse fenômeno crescer dia após
dia. Afinal de contas, num mundo informado como o de hoje, ninguém mais
aceita este, este, este, este ou este tipo
atitude.
Ademais, a grosso modo, religião
nada mais é que uma forma de política, como um partido ou uma ideologia. Então,
trocá-la por outro partido não é nada tão de saltar os olhos assim.
E por que isto acontece? Porque as
religiões tradicionais, e mesmo as mais modernosasnão trazem mais as
respostas que as pessoas querem ou mesmo precisam. Com efeito, a filosofia e a
ciência têm conseguido cada vez mais fornecer explicações (leia-se soluções)
longe do campo religioso e mais dentro do campo prático, verdadeiro, coerente.
Esta é uma das (muitas) falhas às quais a religião não consegue se desprender,
simplesmente porque não há nada de prático, verdadeiro ou coerente em seus
livros e/ou rituais. Seus valores NÃO SÃO seus, nem de fato nem de direito, mas
todos emprestados da vida real e arregimentados em seus conjuntos de
ensinamentos de forma deturpada e – SEMPRE – favoráveis à própria instituição
como objetivo último, e não às pessoas.
Ainda nessa linha de raciocínio, o
temor histórico que a religião sempre incutiu na mente das pessoas já não
assusta mais. O inferno já não parece mais tão horroroso – quem ainda teme
ir para lá hoje em dia? – e a concepção tradicional do paraíso soa
hoje como absolutamente entediante: pular de nuvem em nuvem tocando uma
harpinha deve ser simplesmente um porre!
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Céu ou inferno...? Desse jeito
fica difícil escolher.
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Especialmente na Europa Ocidental
homem e Deus nunca estiveram tão separados como hoje, e não quero insinuar que
seus maravilhosos índices sócio-econômicos são por conta disso – embora devam
ser mesmo. Em diversos países do mundo, é verdade, mas especialmente lá é a
própria sociedade que está começando a ocupar o papel administrador e
legislativo de suas nações. Como já disse no penúltimo parágrafo, os valores
ditos “cristãos” não são exatamente cristãos, são humanos, como vários outros
de outras correntes religiosas. No fim, a humanidade está relaicizando (não
sei se gramaticalmente isso existe) seus valores fundamentais, tomados pela
Igreja como se fossem seus. Não se trata de uma nova safra de valores, de
forma alguma, apenas uma retomada daqueles que já existiam, mas que estavam
falsamente sob domínio da religião, obscurecidos por seu pesado e pernicioso
manto.
Percebendo isso, as religiões
precisam motivar seus fiéis a: 1) se manterem na crença e 2) trazer novas
ovelhinhas para o rebanho. Assim sendo, é compreensível que os religiosos
queiram trazer um Einstein ou um Darwin para seu lado do campo, afinal reforços
de peso assim são sempre desejáveis ao time. Mas é triste que atribuam palavras
à pessoas que já não podem mais se defender. Da mesma forma, eles adoooooram
colocar um Hitler do outro lado, por exemplo. Mas a verdade é que Einstein e
Darwin NÃO eram religiosos, mas Hitler era. Todas aquelas historinhas que
pululam na internet de que Darwin se arrependeu no leito de morte ou que
Einstein convenceu-se da existência divina são MENTIRAS, não caia nelas.
É certo que o desaparecimento das
religiões constituídas é questão de tempo, e isto já está para ocorrer em
muitos países notadamente inteligentes e ricos. (há um link a esse respeito ao
fim da postagem). SIM, estou querendo dizer que os melhores países do mundo são
os menos religiosos, já
lhes mostrei como religião e ignorância são sinônimos quase perfeitos. Por
outro lado, a humanidade (ao menos a Europa) já vivenciou um período similar de
descrença durante o Renascimento e, contudo, voltou a se crentalizar (também
não sei se isso existe).
Talvez o fenômeno religioso seja
cíclico. Espero que não seja. Que dessa vez ele suma de uma vez por todas.
Deus criou o homem à sua imagem e
este lhe pagou na mesma moeda (Voltaire)
Deuses, todos eles, são criações
humanas. Nada mais que isso. E só sobrevive em mentes desprovidas de
inteligência, razão pela qual a religião poderá ser extinta em países ricos.
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